quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O desafio de nossa geração

Por: Heitor Scalambrini Costa*

Diferente daquele extraordinário 1968, onde idéias e causas libertárias empolgavam boa parte do mundo, e no Brasil a cena dominante era a forte efervescência política questionando a ditadura militar, vivemos nos últimos anos sob a tacanha do pensamento hegemônico, o do neoliberalismo.

Ao governo, na visão neoliberal, cabe criar e preservar certas condições que permitam ao mercado operar. É o capitalismo financeiro determinante dos fluxos de dinheiro, dos lucros obtidos, dos problemas econômicos, das crises dos países. O mercado decide, o mercado determina. É a chamada globalização financeira.

Decorrente da atual política neoliberal o mundo só conseguiu produzir menores taxas de crescimento, maior desigualdade social e crises recorrentes, e que culminaram com os graves problemas enfrentados na atualidade: a recessão-depressão econômica, a insegurança energética e alimentar, e o aquecimento global. E agora, avizinha-se uma conjuntura de desemprego e ampliação da miséria.

Ao longo dos últimos anos os governos adotaram as receitas neoliberais ditadas por organizações dirigidas pelos países centrais, como a OMC, o Banco Mundial e o FMI, no âmbito dos programas de ajustamento estrutural e de redução da pobreza. Em nome da luta contra a pobreza, estas instituições convenceram os governos a executarem políticas que reproduziram e aumentaram a pobreza.

Os ideólogos do neoliberalismo, da desregulação da economia, do Estado mínimo e do laissez-faire dos mercados mentiram para toda a humanidade, prometendo-lhe o melhor dos mundos. Sem essa via não existiam alternativas, diziam. Tudo isso foi agora desmascarado com a explosão mundial da crise econômica e financeira em 2007-2008, mostrando o quão interligadas estão as economias do planeta.

Foram os processos de produção e consumo orientadores do sistema de desenvolvimento dominante, e a idéia de progresso como sinônimo de crescimento econômico, que levaram o planeta a uma situação na qual pode ser gerada uma alteração irreversível no clima, com conseqüências físicas, econômicas e sociais catastróficas para todos os países. Pelo menos, é o que pensam aqueles que atribuem boa parte dos atuais problemas à atividade humana.

Há aqueles ainda, que dizem que nunca antes na história da humanidade tantos viveram com tanta fartura, com tanta longevidade, com tanto conforto e com tantas opções para consumo. Contudo, estes privilegiados são poucos em relação aos mais de 6 bilhões de seres humanos que habitam o planeta na atualidade. Mais de 4 bilhões de pessoas vivem hoje com menos de 1 dólar por dia, segundo dados do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e mais de um terço da população urbana mundial mora em favelas.

Logo, trazer toda a humanidade a um padrão de vida digno, com acesso a alimentação adequada, a saúde, a educação e oportunidades de trabalho é uma questão que passa pela mudança de paradigma, e constitui um grande desafio. Para continuar o crescimento da produção e do consumo atuais, como é proposto pelo modelo vigente, precisaríamos de mais de um planeta Terra; afinal, hoje já são consumidos recursos naturais a uma taxa 30% maior do que a Terra tem condições de repor. Aqui reside o limite do capital: o limite da Terra. Isso não existia na crise de 1929.

A conjugação destas crises e impasses mostra aos povos a necessidade de se libertarem da sociedade capitalista e do seu modelo produtivo consumista. A ligação entre as crises põe em evidência a necessidade de um programa novo, revolucionário e em escala planetária. A humanidade não poderá contentar-se com meias medidas. É preciso arrancar o mal pela raiz. A direção das soluções deve ser no sentido em que elas sejam favoráveis aos povos e à natureza.

O que está em jogo, de fato, é a disposição das sociedades em reduzir e alterar drasticamente a forma de consumo, redefinir o modelo de produção e a idéia mesmo de desenvolvimento; e, em passar a medir o êxito de um país por seus indicadores sociais e ambientais, e não mais apenas por sua riqueza financeira.

Portanto, o desafio que se coloca neste início do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização. É preciso construir uma nova ordem internacional, que respeite a soberania dos povos e das nações. Deslocar, num curto espaço de tempo, o eixo da lógica “viver é produzir infinitamente e consumir o máximo possível”, que leva à acumulação, para uma lógica em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos.

Há quem diga que um pesado imposto será cobrado das gerações futuras. Essa visão aumenta em muito a responsabilidade da atual geração. É fundamental que outras formas de relação do ser humano com a natureza sejam assumidas e que novas tecnologias, de alta eficiência na utilização de recursos naturais e com mínimos impactos ambientais sejam desenvolvidas e adotadas em larga escala.

Precisamos, sim, valorizar aspectos relativos às questões que sempre foram colocadas pelo ser humano: que sentido tem a vida e o universo, qual é o nosso lugar? Portanto, há que se ouvir mais os que ainda amam a vida e cuidam realmente da Terra.

*Heitor Scalambrini Costa (hscosta@ufpe.br) é físico com doutorado pela Université d'Aix-Marseille III (França) e professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco. Participou da segunda edição de festival, ministrando a palestra "Agrocombustíveis: ameaças e oportunidades".

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O mar não tá pra peixe!


Depois da matéria sobre o extermínio de tubarões na Ásia, um ilustre convidado local decidiu se manifestar sobre a condição desses animais na costa brasileira, falando sobre a destruição de seu habitat. Uma carta de própria barbatana de um legítimo "elasmobrânquio pernambucanus"*.

Recife, 8 de Novembro de 2005

Recentemente li num jornal, encontrado no lixo, que tem ocorrido diversos ataques de tubarões nos 40 quilômetros de extensão que perfaz a faixa de mar compreendida entre os portos de Recife e o de Suape, no Estado de Pernambuco. A notícia dava conta de que houve nos últimos dois anos e quatro meses, catorze ataques do peixe, quase que exclusivamente a surfistas, fazendo uma vítima fatal. Li, ainda, que ocorrem cerca de 100 ataques de tubarão por ano em todo o mundo. Aliás, essa tal violência me deixou chocado.

Diante dessas informações, passei a me perguntar: o que poderia estar provocando tantos ataques de tubarões aos humanos? Sei que a oferta de alimentos no mar está cada vez mais escassa. A poluição dos mares e oceanos é cada vez maior. Alguns parentes que moram na enseada de Portogalo, na cidade fluminense de Angra dos Reis, me informaram que em dezembro de 88, um derramamento de óleo, provocado pelo petroleiro Felipe Camarão, da Petrobrás, matou milhares de peixes e espalhou petróleo numa área de 104 quilômetros quadrados na costa do Rio de Janeiro.

Também, em recente visita à Bahia, ouvi comentários de que muitos de nós morreram ou adoeceram em conseqüência de outro grande derramamento de óleo que ocorreu em abril de 92. Quarenta e oito mil litros do produto vazaram da refinaria de Mataripe. Foi o maior derramamento de combustível bruto ocorrido na Baia de Todos os Santos até aquela data. Sabe, tenho vivenciado o grande número de aterros, destruição de manguezais, emissão de milhões de toneladas de resíduos industriais e domésticos, muito deles tóxicos, lançados diretamente ao mar ou mesmo através dos rios, que o atinge do mesmo jeito. Com isso, presenciei a morte, quando não a migração, de diversas espécies de peixes, crustáceos – e até de mamíferos – em quase toda a costa brasileira.

Some-se a isso, e não menos grave, o problema do lixo nuclear. A Grã-Bretanha juntamente com os Estados Unidos, nos últimos 50 anos, foram quem mais abandonaram resíduos nucleares em pelo menos 50 regiões do Atlântico e do Pacífico. A contribuição da moderna sociedade também não é desprezível. Num levantamento feito em 13 países, ao longo de 8 mil quilômetros de praias, foram coletadas quase 2 milhões de toneladas de lixo, o que signfica 250 toneladas de lixo por quilômetro. Conclusão: estamos todos nadando no lixo!

Em Pernambuco, particularmente na área entre o porto do Recife e de Suape, tenho observado o total descontrole na faixa costeira, como os freqüentes cortes e aterros de manguezais e destruição de arrecifes para aberturas de canais, diminuindo, assim, quantidade e diversidade da oferta dos recursos costeiros, trazendo conseqüências imediatas para a alimentação de várias espécies, inclusive, dos tubarões.

Essa situação é agravada com o aumento de resíduos de alimentos descartados pelos navios que utilizam aqueles portos, somando-se ao lixo depositado nas praias, estuários e rios, fazendo com que algumas espécies marinhas tenham que se aproximar da costa em busca de alimentos, ficando num trilema: ou migra em busca de alimentos, ou se arrisca aproximando-se da costa atrás de comida ou tenta adaptar-se a uma nova dieta.

Como se não bastasse isso, há que se perguntar qual é ou são a(s) espécie(s) responsável(eis) por esses recentes ataques, uma vez que, apenas algumas poucas atacam os humanos e quantas destas ocorrem no litoral de Pernambuco, para que não se atribua aos tubarões, de forma generalizada, esses ataques? Até porque, muitos deles não se alimentam de carne e outras, sequer, possuem dentes.

Diante de tudo isso, perguntaria: de quem é a responsabilidade dos ataques de tubarões, uma vez que, vocês poluem mares e oceanos, degradam manguezais e praias, acumulam o entulho da civilização no ambiente marinho, não sabendo utilizar tais recursos, inclusive, superexplorando algumas espécies tendo provocado a extinção de muitas delas? E, ainda: invadem habitats alheios, aos quais vocês não estão adaptados! O que esperam que nós façamos? Fiquemos de nadadeiras cruzadas esperando o que possa acontecer?

Ass: O TUBARÃO


*Assessorado por Suzy Rocha, e Alexandre Araújo, respectivamente coordenadora de comunicação e coordenador executivo da ASPAN. A ilustração é do artista Leandro Dóro. Publicado inicialmente no site www.associacaodesafio.com.br.