Depois da matéria sobre o extermínio de tubarões na Ásia, um ilustre convidado local decidiu se manifestar sobre a condição desses animais na costa brasileira, falando sobre a destruição de seu habitat. Uma carta de própria barbatana de um legítimo "elasmobrânquio pernambucanus"*.
Recife, 8 de Novembro de 2005
Recentemente li num jornal, encontrado no lixo, que tem ocorrido diversos ataques de tubarões nos 40 quilômetros de extensão que perfaz a faixa de mar compreendida entre os portos de Recife e o de Suape, no Estado de Pernambuco. A notícia dava conta de que houve nos últimos dois anos e quatro meses, catorze ataques do peixe, quase que exclusivamente a surfistas, fazendo uma vítima fatal. Li, ainda, que ocorrem cerca de 100 ataques de tubarão por ano em todo o mundo. Aliás, essa tal violência me deixou chocado.
Diante dessas informações, passei a me perguntar: o que poderia estar provocando tantos ataques de tubarões aos humanos? Sei que a oferta de alimentos no mar está cada vez mais escassa. A poluição dos mares e oceanos é cada vez maior. Alguns parentes que moram na enseada de Portogalo, na cidade fluminense de Angra dos Reis, me informaram que em dezembro de 88, um derramamento de óleo, provocado pelo petroleiro Felipe Camarão, da Petrobrás, matou milhares de peixes e espalhou petróleo numa área de 104 quilômetros quadrados na costa do Rio de Janeiro.
Também, em recente visita à Bahia, ouvi comentários de que muitos de nós morreram ou adoeceram em conseqüência de outro grande derramamento de óleo que ocorreu em abril de 92. Quarenta e oito mil litros do produto vazaram da refinaria de Mataripe. Foi o maior derramamento de combustível bruto ocorrido na Baia de Todos os Santos até aquela data. Sabe, tenho vivenciado o grande número de aterros, destruição de manguezais, emissão de milhões de toneladas de resíduos industriais e domésticos, muito deles tóxicos, lançados diretamente ao mar ou mesmo através dos rios, que o atinge do mesmo jeito. Com isso, presenciei a morte, quando não a migração, de diversas espécies de peixes, crustáceos – e até de mamíferos – em quase toda a costa brasileira.
Some-se a isso, e não menos grave, o problema do lixo nuclear. A Grã-Bretanha juntamente com os Estados Unidos, nos últimos 50 anos, foram quem mais abandonaram resíduos nucleares em pelo menos 50 regiões do Atlântico e do Pacífico. A contribuição da moderna sociedade também não é desprezível. Num levantamento feito em 13 países, ao longo de 8 mil quilômetros de praias, foram coletadas quase 2 milhões de toneladas de lixo, o que signfica 250 toneladas de lixo por quilômetro. Conclusão: estamos todos nadando no lixo!
Em Pernambuco, particularmente na área entre o porto do Recife e de Suape, tenho observado o total descontrole na faixa costeira, como os freqüentes cortes e aterros de manguezais e destruição de arrecifes para aberturas de canais, diminuindo, assim, quantidade e diversidade da oferta dos recursos costeiros, trazendo conseqüências imediatas para a alimentação de várias espécies, inclusive, dos tubarões.
Essa situação é agravada com o aumento de resíduos de alimentos descartados pelos navios que utilizam aqueles portos, somando-se ao lixo depositado nas praias, estuários e rios, fazendo com que algumas espécies marinhas tenham que se aproximar da costa em busca de alimentos, ficando num trilema: ou migra em busca de alimentos, ou se arrisca aproximando-se da costa atrás de comida ou tenta adaptar-se a uma nova dieta.
Como se não bastasse isso, há que se perguntar qual é ou são a(s) espécie(s) responsável(eis) por esses recentes ataques, uma vez que, apenas algumas poucas atacam os humanos e quantas destas ocorrem no litoral de Pernambuco, para que não se atribua aos tubarões, de forma generalizada, esses ataques? Até porque, muitos deles não se alimentam de carne e outras, sequer, possuem dentes.
Diante de tudo isso, perguntaria: de quem é a responsabilidade dos ataques de tubarões, uma vez que, vocês poluem mares e oceanos, degradam manguezais e praias, acumulam o entulho da civilização no ambiente marinho, não sabendo utilizar tais recursos, inclusive, superexplorando algumas espécies tendo provocado a extinção de muitas delas? E, ainda: invadem habitats alheios, aos quais vocês não estão adaptados! O que esperam que nós façamos? Fiquemos de nadadeiras cruzadas esperando o que possa acontecer?
Ass: O TUBARÃO
*Assessorado por Suzy Rocha, e Alexandre Araújo, respectivamente coordenadora de comunicação e coordenador executivo da ASPAN. A ilustração é do artista Leandro Dóro. Publicado inicialmente no site www.associacaodesafio.com.br.
Um comentário:
Muito bom essa matéria!
Tinha mesmo que ser de Suzy e Alexandre.
Adoro esse texto!
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